Duas pessoas, uma mota e um país por descobrir. Estavam reunidos os ingredientes necessários para mais uma aventura além-fronteiras e desta feita num outro continente… após a primeira internacionalização “a bordo” da mais recente companheira de viagens BMW R1200RT, a primeira “intercontinentalização”…
O destino era Marrocos e nesta expedição percorríamos o país sobre duas rodas, de norte a sul, de este a oeste. Tínhamos á partida a certeza que haveria muitas histórias e peripécias para contar, assim como muitas cidades a visitar e estradas a percorrer.
Mais uma vez me propus a tentar realizar a tarefa árdua que é em meia dúzia de linhas transportar-vos comigo nesta viagem, desta feita, até terras de África…
E, não podia ser diferente a forma de começar daquela em que relatei a minha experiência numa das sete maravilhas do mundo, o trekking pelos Andes que me levou até Machu Picchu, no Peru, no livro de minha autoria chamado "Patcha Mamma!"
Adoro viajar!!!
Mas agora acrescento… há algo de que gosto tanto quanto a viagem em si... o seu planeamento!
A pesquisa dos locais de interesse… o que ver, o que visitar, do melhor percurso… quantos km se fará neste ou naquele dia, quais os pontos de paragens “obrigatória”, que desvios acarretam, quanto tempo iremos precisar para o percorrer, dos hotéis onde pernoitar... onde comer, o que comer…quais as recordações típicas para trazer, quais as atividades que não se podem perder.
E, desta vez, o que levar… é que não é propriamente fácil acomodar em duas ínfimas malas laterais, numa top case não muito maior e num saco recém comprado para o efeito toda a bagagem onde teria que se incluir além da roupa para todos os dias, medicamentos essenciais á sobrevivência em solo africano, kits de emergência para eventuais furos ou avarias inesperadas e obviamente equipamento que nos permitisse registar para a posteridade os locais por onde fossemos passando.
Enfim, preparar tudo para uma viagem perfeita!!!
No fundo é viver a viagem antes dela acontecer, é antecipar todas as sensações que se querem viver e assim "estender" os poucos dias em que ela decorre transformando-os, por vezes, em vários meses!
É já conhecer "de cor" todos os nomes de todos os sítios que por lá vamos encontrar!
E, ao contrário do que se possa pensar, toda esta azafama anterior e todo o estado de ansiedade que gera a realização de todos estes planos, nunca sai furado... a realidade consegue sempre superar tudo, e lá, "in loco", aquilo que temos de mais precioso que são os nossos sentidos dão-nos aquilo que imagem nenhuma de televisão ou computador ou que qualquer descrição lida em qualquer guia turístico nos pode dar...
Além de que, há sempre o inesperado... que torna única cada viagem!
E, sem perder "pitada" do que se planeou, no fim, é gratificante a sensação de se poder dizer que mais um destino ficou "visto" e portanto se pode começar a pensar no próximo.... afinal há tanto mundo para conhecer...
E depois... nada melhor do que escrever sobre elas!
Poderia pensar-se que tais relatos teriam como objetivo partilhar as experiências vividas dando-as a conhecer a quem não teve a mesma sorte que eu em as fazer ...Também o é, obviamente, mas mais do que partilha, escrever sobre as viagens é um ato de egoísmo.
É poder reviver tudo de novo...
É novamente "estender" a viagem, voltar lá...e desafiar-me a passar para o "papel" todas as sensações vividas.
Começando pelo inicio dos inícios…
Tudo começou no cinema… assistíamos ao mais recente 007 Spectre e de repente o agente Bond percorria as ruas de Tanger! As imagens cativaram… o meu comentário de que nunca lá tinha estado fez logo nascer a ideia de por lá passar. E tal ideia aliada á sua relativa proximidade a Portugal levou-nos até lá de mota…
Inicialmente programou-se apenas um fim de semana, pela primavera, para termos um clima temperado… o de 23 e 24 de abril seria o ideal já que teríamos ainda o dia 25, um feriado que por ser numa segunda feira nos dava mais um dia de viagem. Assim, partindo na sexta feira, dia 22, depois de sairmos do trabalho para já completar cerca de metade da jornada que nos levaria até lá, teríamos metade de dia 23 e o dia 24 inteiro para conhecermos a cidade e ainda o dia 25 para o regresso.
Mas rapidamente chegamos á conclusão que um fim de semana era pouco pois uma vez feitos cerca de 800 km para cada lado haveria muito mais a explorar para além de Tanger…
A solução foi marcar uma semana de férias e assim juntando o tal feriado de 25 de Abril conseguir mais uns dias de viagem…Ainda a medo foi então traçado um primeiro roteiro para uma semana, pela costa, andando por auto-estradas e estradas principais, visitando as principais cidades, Rabat e Casablanca, mas este foi logo melhorado com umas tímidas incursões ao interior colocando no mapa Fez e Marraquexe. Parecia perfeito.
Planos traçados havia que os colocar a “apreciação pública”! Hoje em dia, com os vários fóruns existentes online temos a facilidade de colher opiniões e sugestões por parte de quem já por estas andanças passou e que são sempre uma mais valia neste tipo de auto-planeamento.
Um ponto era comum em todos os contributos prestados… ter em atenção o excesso de velocidade! Existe em Marrocos uma espécie de “caça” á multa declarada neste âmbito e com o qual teríamos que ter o máximo de cuidado…
Também o itinerário por nós escolhido foi alvo da critica por parte de quem conhece o país por o considerar demasiado litoral e citadino… a opinião era que estaríamos a perder o que de mais bonito podíamos ver por aquelas bandas não nos aventurando por estradas mais secundárias e sobretudo não indo ao “verdadeiro” interior, ao deserto…
Não foi difícil convencer-nos pois já “ocasionalmente” os nossos olhos tinham passado pelo mapa e o nome “Merzouga” ecoava nos nossos mais “secretos” pensamentos…e então, uma viagem que começou por um planeamento prudente passou para aquilo que, no fundo, realmente ansiávamos, uma verdadeira aventura!
Definidos os novos locais a visitar a rota ficou traçada: partindo ao final do dia de Lavra e após uma paragem em Elvas só para pernoitar entraríamos por Tarifa em Tanger para o primeiro contacto com terras marroquinas…No dia seguinte o destino era Fez, com passagem por Chefchaouen, a cidade azul. No terceiro dia chegaríamos a Errachidia passando por Ifrane e Midelt. A ansiada chegada a Merzouga ficou logo planeada para o quarto dia e daí sairíamos para Ouarzazate realizando o maior percurso que envolveria cerca de 450 km por estradas interiores, passando pelos Gorges de Todra e de Dadés. Marraquexe seria o destino do sexto dia de viagem no qual faríamos um grande desvio para conhecer as cascatas de Ouzoud e assim somarmos mais quase 400 km. O regresso á costa estava previsto para o sétimo dia: de Marraquexe a El Jadida, a cidade portuguesa e daí até Casablanca. E o tour completava-se ao oitavo dia com a viagem de Casablanca a Asilah, passando pela capital, Rabat. O regresso a Portugal, novamente via Tanger, seria feito em duas etapas ainda por definir.
Impunha-se a aquisição do GPS de Marrocos para a mota. É que uma coisa era andar pelas auto-estradas principais ao longo do litoral e coisa bem diferente era a realização deste “tour” mais elaborado… Após confirmação por parte da Garmin de que o mapa disponível online era compatível com o aparelho que já tínhamos, foi feito o upload do mesmo e em poucos segundos as estradas de Marrocos deixaram de ter segredos para nós…
Havia que lançar mão á obra e além de traçar os percursos diários com os sítios a visitar era fundamental definir os locais onde pernoitar…e numa maratona noturna as reservas no “booking” lá se foram fazendo. Os filtros cancelamento gratuito, alojamento com pequeno almoço incluído, lugar de estacionamento privativo, wifi deram uma ajuda preciosa mas mesmo assim a escolha não foi fácil. Entre visualização das fotos disponíveis, leitura dos comentários e localização do hotel no gps da mota foram surgindo um a um e de tudo escolhemos um pouco: hotéis de cinco estrelas com spa, hotéis mais simples, riads…apenas não nos aventuramos nas casas particulares e nem nas muito famosas tendas apesar dos comentários tão apetecíveis e tentadores.
Estava na hora do “Google Maps” entrar em ação para termos uma noção mais exata dos quilómetros diários a percorrer e do tempo previsto para tais viagens. E desde logo algo nos chamava a atenção e nos preocupava…
A etapa Merzouga / Ouarzazete estava demasiado longa sobretudo por ser realizado por estradas que suspeitávamos não estarem no melhor estado pelas leituras que andávamos a fazer na internet de outros aventureiros por terras de Marrocos que incluía pistas de deserto e sinuosas estradas de montanha para visitar os Gorges de Todra e de Dadés. Isto podia acabar por resultar em passarmos um dia inteiro na estrada sem tirar partido da mesma, sem ter tempo suficiente para as desejadas e necessária paragens e após tantos quilómetros provavelmente chegaríamos sem energia para uma visita adequada ao local de destino. Também o dia seguinte, a etapa até Marraquexe estava bastante “pesada” devido ao planeado desvio para conhecer as cascatas de Ouzoud. Tal faria que tivéssemos, após uma jornada cansativa como seria inevitavelmente a do dia anterior, que sair cedo e mais uma vez sem tempo para conhecer Ouarzazete, para novamente nos fazermos a mais 400 km de estradas sinuosas.
Apesar de deixar pena, o desvio a Ouzoud teve que ser posto de lado. E como isso os previstos 381km passavam a apenas 197km que permitiria outra alteração: encurtar a etapa anterior que sairia de Merzouga. O equilíbrio foi encontrado com a pernoita no Vale do Rio Dadés…assim no quinto dia a etapa ficaria reduzida a cerca de 250km o que nos permitiria desfrutar de todo o percurso e no dia seguinte Marraquexe estaria também apenas a cerca de 300 km de distância.
Outra alteração prendeu-se com a escolha dos hotéis… por mero acaso ao mesmo tempo que estávamos a planear esta viagem tivemos conhecimento dum motard que estava naquele preciso momento em Merzouga, hospedado no Auberge du Sud a “postar” fotografias da sua viagem no facebook. E estas imagens eram deslumbrantes… um refugio requintado no meio das dunas de Erg Chebbi. Não é que também não estivéssemos positivamente impressionados com as instalações do até ali escolhido Hotel Tombouctu mas de facto este parecia-nos mais “genuíno”, mais fiel ao espírito de um oásis no deserto. Mas, feita a pesquisa no booking este não aparecia. Tal não nos fez, no entanto, desistir e através do email disponível no site deste “auberge” solicitamos informações sobre uma possível reserva. E uma surpresa estava-nos reservada… a resposta em português do muito prestável Hamid que nos esclareceu todas as duvidas quer sobre a reserva quer sobre a melhor forma de chegarmos via “off road”. Transferência feita. Reserva confirmada e um até breve a este paraíso no Sahara.
Outros preparativos se impunham para além deste estudo do percurso e das marcações dos locais a pernoitar… os que se relacionavam com o meio de transporte que iríamos utilizar. É que a logística de ir de mota implicava quer a aquisição de equipamento extra para podermos transportar o mínimo indispensável para uma viagem de dez dias, roupa, medicação, material fotográfico, ipad, mapas e mais meia dúzia de coisas essenciais, quer a aquisição de vestuário mais apropriado ás tórridas temperaturas que seriam esperadas, quer ainda de um banco que proporcionasse o mínimo de conforto para fazer, dia após dia, tantos quilómetros. Tudo atempadamente comprado a aguardar “pacientemente” o dia da partida…
Além das vacinas normais que se deve ter sempre em dia não tínhamos informação da existência de quaisquer cuidados de saúde especiais para viajar para Marrocos. Ainda assim foi marcada uma consulta do viajante e ficamos a saber que o país está livre de febre amarela e de malária pelo que não havia qualquer recomendação para profilaxia. Essencialmente e uma vez que se trata de um país cujos padrões de higiene não são os mesmos de um pais europeu seria apenas de evitar a ingestão de frutas e vegetais não cozidos e quanto á água o aconselhável seria beber engarrafada. Ter o máximo de higiene com as nossas próprias mãos, que são uma fonte de transmissão de doenças e acima de tudo evitar acidentes pois a resposta do sistema de saúde marroquino não é tão célere e eficaz quanto a nossa. Foi-nos recomendado um seguro de saúde para uma maior cobertura do acesso a cuidados médicos e muita prudência… o principal medicamento era mesmo evitar tudo o que nos parecesse suspeito a nível alimentar. Por uma questão de precaução foram receitados vários fármacos para as situações mais usuais que passariam a fazer parte da bagagem, esperando nós que só a fazer peso e volume!
Mas nem sempre os planos dão certo… e a tão ansiada viagem teve por motivos alheios à nossa vontade que ser cancelada!
Felizmente a maior parte das estadias estavam reservadas com cancelamentos gratuitos. As que tinham sido diretamente efetuadas com os hotéis foram também canceladas sem custos, tendo inclusive o já amigo Hamid do Auberge do Sud devolvido o sinal recebido. Também a empresa a quem já se tinha adquirido os bilhetes para a travessia de ferry em Tarifa para obstar ás filas que eventualmente pudessem existir na altura do embarque prontamente fez a devolução do valor dos mesmos. Ou seja, apesar do imprevisto tudo estava a ser resolvido sem custos e também sabíamos que tal cancelamento não seria definitivo, que se tratava apenas de um adiamento… o ano de 2016 seria o da nossa viagem a Marrocos, sem dúvida!
E assim foi…
A primeira quinzena de junho já estava marcada para férias com o intuito de fazer uma viagem a Itália… mas com todo este planeamento já feito tal destino foi posto de lado e repensada a viagem de forma a aproveitar todo o trabalho já realizado.
A extensão que tínhamos no tempo de viagem possibilitava uma “progressão” por território marroquino mais relaxada, passando a pernoitar dois dias em locais que poderíamos assim conhecer melhor: Fez, Merzouga e Marraquexe. Acrescentando uma etapa que reduziria a distancia percorrida num dos dias mais “puxados” e também uma incursão a Agadir, estancia turística de praia, para descansar e recuperar forças para o regresso a casa! Até porque as previsões de temperaturas de junho em nada se comparavam com as de Abril… previsões que se vieram a confirmar e até superar, como adiante poderá constatar…
Havia então que lançar novamente mãos ao trabalho, rever os hotéis escolhidos, acrescentar novos, efetuar as respetivas reservas, programar o GPS com as suas coordenadas e esperar que desta, fosse de vez!
E também porque estavam próximos os 10.000 km decidiu-se antecipar a necessária a revisão da mota para prevenir contratempos inesperados. A grande protagonista da viagem ficou assim pronta para enfrentar os muitos e muitos quilómetros que teria pela frente em condições, por vezes, muito adversas!
Tudo tratado, malas semi prontas de véspera (óbvio que tinham alguns pormenores que ficar para a última) e tinha finalmente chegado sexta feira, dia 3 de junho… ainda tínhamos pela frente um dia inteiro de trabalho, toda a logística de “carregar” a mota e só então partir rumo a Elvas, dando por iniciada a nossa aventura.
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