O dia 13 de junho, o nosso décimo dia de viagem por terras marroquinas, era totalmente dedicado a “viver” Marraquexe e para tal nada como começar pela Medina nos seus movimentados “souks”. Percurso pré delineado e otimistas quanto á possibilidade de não nos perder no emaranhado das sua ruelas fizemo-lo sem qualquer ajuda para alem do “mapa na mão”…E definitivamente este é dos mercados mais coloridos e diversificados que visitamos, existem souks para tudo: de sobremesas altamente açucaradas a especiarias e temperos picantes, de frutas maduras ou secas a objetos de arte, de produtos eletrônicos a tapetes tradicionais confeccionados por berberes…
Começamos a nossa jornada na praça principal Jemaa el-Fnaa seguimos para o interior onde a grande maioria das ruelas raramente têm mais de dois metros de largura pelo meio de centenas de pessoas, lojas, pessoas a andar de burro, motas e toneladas de loucura… Por ali perguntar o preço de algum produto é iniciar um movimentado processo em que o regatear é a ordem do dia, com ofertas e contra-ofertas, lamúrias e invocações, desculpas esfarrapadas e uma gama de atitudes teatrais, marca registada de um bom comerciante árabe! Se a venda é concluída, abundam sorrisos mas quando não há negócio fechado são comuns os “resmungos” e palavras incompreensíveis que não soam como elogios… Mas não passar por isso não é “viver” aquele local e portanto foi o lugar escolhido para trazer a lembrança marroquina para adornar o “vitral” onde estão em exposição os vários objetos que tenho tido oportunidade de trazer de todo o Mundo: o bule onde servem o delicioso chá de menta.
Seguindo o nosso caminho fomos verificando que muitas lojas não são apenas locais de venda mas também de fabricação. Há ruelas para artesãos de ferro e de cobre, para joalheiros que produzem peças em ouro e em prata, para fabricantes de roupas e dos típicos sapatos marroquinos, os babuches.
Os que mais nos chamaram á atenção foram o souk das especiarias com os cones decorativos de paprica, de açafrão-da-terra e de outros condimentos cheios de cores e de onde exalam aromas que despertam os sentidos e o apetite e o souk dos tintureiros polvilhados de novelos de lã recém-tingidos, pendurados ao ar para secar.
Atrevemo-nos a entrar “mais dentro” deste último, convidados pelos seus artesãos que enrolavam a lã nos próprios braços e a mergulhavam em imensas tinas cheias da tinta com a coloração desejada. Mostraram-nos os diversos “pós” naturais com que faziam as tintas, sempre com o intuito de venderem algo, obviamente!
E foi nesse local que um senhor já com certa idade insistentemente nos convidava a conhecer a sua “fábrica” com a promessa de vermos o que são as autenticas cores naturais e de subir ao terraço panorâmico para termos uma perspectiva “de cima” da medida de Marraquexe. Várias vezes o alertamos que não estávamos interessados em comprar nada ao que constantemente nos respondia que “mirar és grátis” e acabamos por o seguir… Vimo-nos então numa "casa" privada onde várias pessoas trabalhavam tingindo os tecidos. Não nos sentíamos muito seguros pois afinal éramos nós os dois ali sozinhos com várias pessoas, algures no meio da medida de Marraquexe, sem saber muito bem voltar para trás… algo que já não era inédito, verdade! Mas aquele ambiente parecia-nos um pouco mais hostil que a nossa incauta visita de Ouarzazate… pedimos então para regressar ás ruas dos mercados e foi aí que a “parte vendedora” veio á superfície tentando a todo o custo impingir-nos um lenço com as verdadeiras cores naturais de Marrocos! Se calhar de forma um pouco imprudente exaltei-me com este marroquino agora já com “cara de poucos amigos” dizendo-lhe que desde inicio o tinha alertado que não estávamos interessados em comprar nada, virando-lhe de seguida as costas e percorrendo de volta o caminho que tínhamos feito, embora pouco segura de que fosse realmente este o certo. Ao longe ainda o ouvimos, chateado, a lançar umas quantas pragas em árabe mas felizmente este episódio ficou por aqui e com alguma sorte estávamos de volta ás ruas movimentadas dos mercados.
E foi por entre as cores dos tapetes, as especiarias, frutas e legumes frescos e as lanternas de ferro, que seriam uma perdição caso não viajássemos de mota impedindo assim o seu transporte, que abandonamos a medida.
Tínhamos entretanto desistido da possibilidade de fazer a tradicional massagem “hamman” por estarem completamente esgotadas no hotel onde estávamos e porque a realização das mesmas num hamman público implicaria que nos separássemos num local desconhecido por serem separados os balneários para homem e mulher. Uma experiência que ficou por fazer…
A visita a jardins, museus e palácios da chamada “cidade vermelha” marroquina não era algo que nos atraísse muito. No fundo aquilo que nos faltava por ali fazer só o poderia ser feito á noite, quando a praça Jemaa el-Fnaa ganhava de novo vida, que era comer nas banquinhas…Lembramo-nos então de sair da cidade e ir conhecer Essaouira, situada a cerca de 200 quilometros, na costa litoral atlântica.
Mas antes do por do sol estávamos de volta, ainda registando da varanda do quarto a sirene que punha fim a mais um dia de jejum de Ramadão.
Decididos a voltar á famosa praça para aí jantar esquecendo o medo de vir a ficar doentes devido á nítida falta de higiene mas “compensada” pelos cheiros e a autenticidade do local, percorríamos o caminho do hotel até lá quando nos começamos a aperceber da incalculável quantidade de pessoas que andavam na rua e ainda do maior número de carros, bicicletas e motoretas estacionadas ao monte por todos os locais possíveis e imaginários… Ao longe podíamos também ouvir as orações provenientes dos altifalantes do minarete da mesquita da Koutobia.
Ao passarmos ao lado desta reparamos na barreira policial e apesar de estarmos convencidos que não nos deixariam passar por não sermos muçulmanos a verdade é que quando nos aproximamos e perguntamos se poderíamos nos dirigir para mais perto da mesquita não nos vedaram o caminho. Inúmeros fiéis por lá rezavam: velhos, novos, alguns trajando túnicas brancas até aos pés, descalços das suas características sandálias de couro e a maioria com o seu pequeno tapete sobre o qual se ajoelham para rezar. Era de tal forma o número de pessoas que transbordavam as portas abertas da mesquita. Todos virados para Meca, homens á frente, mulheres a trás, dispostos em fila milimétricamente paralelas, milhares de pessoas em oração, numa silencio sepulcral…um momento intenso e extremamente simbólico, quer pela sua simplicidade quer pela oportunidade única de o presenciarmos…uma imagem que guardámos como a mais fascinante de Marraquexe.
Ao longe já se avistavam os incontáveis fios de lâmpadas que iluminavam o frenesim de pessoas, comida e vapores de cada tenda da praça Jemaa el-Fnaa… imiscuímo-nos no seu ambiente mais uma vez assoberbados com tamanha vida e agitação! Entrámos no novelo de restaurantes ambulantes e fomos logo assediados pelos vários empregados “caça-clientes”: perguntavam-nos de onde vínhamos e todos soltavam expressões na nossa língua quando lhes respondíamos "Portugal". Atravessámos toldos e toldos sem fim todos repletos de pessoas até regressamos ao primeiro onde conseguimos descobrir uns lugares vazios e sentámo-nos junto a um grupo de outros turistas e a uma mulher completamente vestida de negro, com a face tapada onde nem os olhos pareciam visíveis… impressionante vê-la ter que habilidosamente meter a comida á boca por baixo do véu!
Naquela como em todas as outras tendas, os pratos são ali mesmo confecionados sob o olhar atento e curioso dos clientes, não há paredes, barreiras nem proteções, é tudo ao vivo e em direto! Saboreámos o cuscuz e a “pastilla” deixando-nos envolver pelo cheiro das especiarias e pela banda sonora do local: o borbulhar dos cozinhados e o barulho das colheres de pau a girar nas grandes panelas de metal misturado com as vozes dos turistas que por ali abundam numa fusão de idiomas difícil de entender… uma melodia que jamais iremos esquecer enfeitiçando-nos e seduzindo-nos por aquela cidade cor de rosa.
Comments