O amanhecer neste primeiro dia de Ramadão trouxe consigo logo alterações ao nível do serviço de pequeno almoço do hotel...ao contrário do dia anterior em que tivemos acesso ao um recheado buffet no restaurante principal, quando no aproximamos do mesmo neste dia as mesas estavam vazias!
Ouvíamos conversar na cozinha mesmo ali ao lado e questionávamos a possibilidade de aplicarem o Ramadão aos turistas...nada provável até porque tínhamos selecionado todos os hotéis com pequeno almoço incluído no preço. E de facto após breves instantes um empregado dirigiu-se à sala perguntado-nos o que pretendíamos comer e beber...Apercebemo-nos então que nos serviriam o pequeno almoço mas duma forma mais regrada e discreta.
Temendo já o que nos esperaria no resto da nossa estadia, fizemo-nos à estrada, rumo ao deserto…ainda lá não chegaríamos neste etapa pois preocupados com o estado das estradas e outras vicissitudes inerentes a esta zona, decidimos dividir em dois o percurso que nos levaria de Fez até Merzouga, pernoitando em Errachidia.
Percorremos assim cerca de 350 km, primeiro pela N8 em direção a Ifrane, situada na vertente mais ocidental do Médio Atlas, a dois mil metros de altura sobre o nível do mar.
Até lá a estrada tem uma qualidade invejável, muito bem sinalizada e com um piso novo e bem tratado apesar de sinuosidade característica da montanha, isto porque se trata do local de férias preferido da família real onde podemos encontrar o palácio muito bem guardado no meio das suas largas avenidas em impecável estado de limpeza.
Na verdade, esta pequena população prima pelos seus jardins e zonas verde e por uma arquitectura típica de una cidade alpina… um estilo que faz com que nos sintamos em Marrocos numa estância de sky suíça!
Depois e sempre a altitudes consideráveis que iam amenizando a temperatura seguimos pela N13 até Midelt, uma pequena cidade sem muitos atrativos cujo charme está apenas na localização, entre o Atlas médio e o Grande Atlas.
Ladeados de montanhas à esquerda e à direita intercaladas aqui e acolá por vales coloridos de um verde vivo que iam quebrando a monotonia do espaço íamos viajando debaixo de um céu azul, sem uma única nuvem, que nos deixava sem teto para combater o sol intenso. O casario, agora maioritariamente feito de de lama e barro, refletia ainda a luz e aridez do ambiente.
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Sob as ombreiras das portas ou á sombra dum árvore multiplicavam-se anciães de barbas e vestes brancas a ver quem passa. O ritmo abrandava quando atravessamos os povoados. Perguntávamo-nos se seria sempre assim ou se era apenas reflexo do primeiro dia de Ramadão ... Vimos também pelo caminho muitas crianças que carregavam a poeira da estrada, encardida nas roupas e a irreverência da infância estampada na cara. Todos observavam a nossa passagem e acenavam-nos dando-nos as boas vindas e partidas, sem nunca nos terem conhecido na vida…
Estávamos, entretanto em pleno Alto Atlas quando nos deparamos com um vale que ía progressivamente afunilando e as encostas das montanhas se tornavam mais íngremes. À atmosfera alaranjada e esmagadora, juntavam-se umas quantas curvas em zig-zag. Ficámos siderados pela paisagem, como se fossemos formigas no curso de um gigante. Tínhamos finalmente chegado ao desfiladeiro prometido… o desfiladeiro do Ziz!
Estávamos já a poucos quilómetros do fim desta etapa e até ali sempre tínhamos passado “sem mácula” pelas inúmeras “operações STOP” que estão montadas à entrada e saída das aldeias que vão surgindo pelo caminho. Nelas os polícias e militares controlam a velocidade dos carros através de radares portáteis, que os próprios carregam de braço estendido, uns metros antes das barreiras onde nos obrigam a parar e seguir viagem.
Não nos apercebemos logo que a paragem era mesmo obrigatória até porque normalmente seguia-mos sozinhos na estrada e éramos facilmente avistados ao longe e prontamente mandados seguir…Ficamos depois a saber que se não parássemos estávamos sujeitos a multa só por causa disso! A verdade é que começamos a ver que os carros que seguiam á nossa frente paravam mesmo no local onde estava sinalizada o controle policial e começamos a fazer o mesmo.
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Neste dia, já a chegar ao nosso destino, íamos tendo o primeiro percalço…uma ultrapassagem num local de linha continua! A visibilidade da estrada era boa e o camião que ultrapassávamos ía a tão reduzida velocidade que era demasiado tentador não cometer tal infração… Só que, por azar, estava mesmo ali um dispositivo policial que não vimos e assim presenciou a primeira vez que se infringíamos as regras de transito! Escapamos apenas com um franzir de testa e um dedo indicador acusador da infração…
Mas nesta viagem até Errachidia que já ía em mais de cinco horas, nem tudo corria assim tão bem… nem chegamos a ir mesmo ao centro desta cidade construída pelos franceses, atualmente sede do principal aquartelamento militar no sudeste de Marrocos até porque quando passávamos ao lado pudemos constatar que quase nada a distingue de um aglomerado urbano sem grande interesse.
Por um lado, um estranho barulho no motor da mota fazia-nos temer um problema mecânico.
Por outro lado, tínhamos atravessado uma zona de aldeias mais remotas que, em condições “normais” já não teriam muita oferta de comida o que aliado ao jejum do Ramadão fazia com que os “restaurantes” estivessem fechados durante o dia. A nossa esperança era quando chegássemos ao hotel, por definição um local habituado a receber turistas, este nos servisse o almoço ou pelo menos, e dado o adiantado da hora, disponibilizasse uns snacks para podermos comer.
Mas tal acabou por não acontecer… tínhamos escolhido para pernoitar um hotel chamado “Le Petit Riad” a poucos quilómetros do centro, na estrada nacional N10, muito acolhedor, com otimas instalações e uma tentadora piscina para nos refrescarmos dos cerca de 38 graus com que fomos brindados em Errachidia mas que dada a sua administração “familiar” contava apenas com um funcionário que era simultaneamente o dono do local, o rececionista, o empregado de mesa e provavelmente o cozinheiro! Ou seja, quando “a medo” lhe perguntamos onde poderíamos comer alguma coisa uma vez que sabíamos que estávamos em pleno Ramadão, na esperança que nos respondesse que por lá preparariam algo, a resposta foi que possivelmente poderíamos comprar algo para comer nos pequenos mini-mercados existentes no centro de Errachidia ali próxima… Ora, bolachas por bolachas, tínhamos as nossas e com estas nos bastamos até ao por do sol! Um jejum forçado…mas que nos fez apreciar de outra forma a sopa marroquina com um péssimo aspeto que pudemos comer já após o por do sol… logo seguida da típica “Tajine” , um cozido ou guisado de legumes e carne servido numa panela feita com barro cozido com uma tampa característica em formato de cone concebida de forma que todo o vapor condensado volte para o fundo da panela. Pudemos assim viver na primeira pessoa o nosso Iftar ou Ftour (como é chamada a primeira refeição que quebra o jejum) logo no primeiro dia de Ramadão!
Foi neste dia que conhecemos o Bob e o seu amigo, ingleses que como nós andavam a viajar de mota por Marrocos com uma rota distinta mas que fez com que nos cruzássemos neste hotel. O primeiro contacto deveu-se ao tal problema mecânico que a nossa mota vinha a acusar fazendo um barulho estranho quando em aceleração. Aproveitando o facto de também serem motards pediu-se-lhes a sua opinião sobre esta nossa preocupação que nos levava a ponderar sobre se havíamos ou não de continuar a viagem… após umas breves voltas e umas quantas aceleradelas acabamos por tentar desvalorizar o tal barulho e optar por seguir até onde desse… é que ali, já tão perto do deserto, o momento tão esperado da viagem, era “morrer na praia”!
Foi também com eles que partilhamos a já referida refeição pois éramos os únicos hospedes daquele hotel e todos estávamos em Ramadão forçado… Partilhamos também contactos para uma posterior troca de impressões sobre os locais por onde iríamos passar tendo sido de especial importância todas as informações que cuidadosamente o Bob teve a gentileza de nos enviar sobre o estado das estradas por onde iam passando antes de nós pois não fariam o desvio a Merzouga.
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