Apenas 5 horas tinham passado e já o despertador nos retirava do sono profundo em que entretanto tínhamos caído e anunciava o começar de um novo dia, que nos levaria até Marrocos, atravessando Espanha até Tarifa.
Mal entrássemos no país vizinho perderíamos uma hora fruto do fuso horário e portanto tínhamos que fazer muito bem os cálculos de forma a “acertarmos” com as partidas do ferry em Tarifa. Com cerca de 450 km para percorrer foi logo posto de lado o horário previamente reservado das 13:00. Mesmo a partida das 15:00 exigia-nos o esforço extra de levantar bem cedo, não perder grande tempo com o pequeno almoço e partir sem outras paragens que não fossem para o abastecimento de combustível.
O frio ainda nos acompanhou no inicio da manhã mas com o Sol cada vez mais a espreitar por entre as nuvens as temperaturas começaram a subir tornando mais agradável uma etapa essencialmente de auto-estradas e como tal muito monótona.
Receávamos um pouco a entrada em Marrocos por haver relatos de que esta, por si só, é uma aventura! Seria o nosso primeiro impacto com um país onde supostamente tudo se suborna e onde cada estrangeiro é visto como um potencial meio para conseguir uns trocos extra.
Mas a verdade é que tudo correu sem grandes sobressaltos… Chegamos quase uma hora antes da partida do ferry das 15 horas e com os bilhetes já pré-comprados na agência FRS dirigimo-nos até à zona em que a polícia espanhola controla os passaportes, onde esperamos até ser dada ordem para a entrada no barco.
Fomos dos primeiros a entrar estacionando a mota no local indicado pelos funcionários que trataram de a prender muito bem com as cintas existentes para o efeito. Percebemos depois porquê…
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Após tantos quilómetros de viagem ansiávamos um agradável passeio entre os continentes. A bordo condições de conforto são adequadas num navio de construção recente e que até dispõem de um bar que permite fazer uma refeição, ainda em euros. A viagem é muito rápida.. demora apenas uma hora e com a diferença horária para -1h chegaríamos lá à mesma hora local que partimos!
Mas nesse dia o Mar Mediterrâneo, normalmente calmo e acolhedor, estava “de fugir”! Mal foi levantada a ancora começamos a sentir a agitação das águas que se foi tornando cada vez mais forte. Era quase impossível caminhar sem nos desequilibrar...
O controlo pelas entidades marroquinas do passaporte é feito dentro do ferry, num "gabinete" fácil de encontrar dada a fila bastante visível de pessoas. Permanecer em pé nessa fila foi tarefa difícil dada a turbulência e fez com que a refeição que já ansiávamos dado o adiantado da hora nem caísse muito bem... E foi assim, um pouco enjoados que atravessamos o estreito de Gibraltar!
Nos nossos passaportes passou então a constar um carimbo especial…
Partíamos à descoberta, para conhecer novas culturas, realidades completamente diferentes das que estamos habituados e acima de tudo, aprender alguma coisa com isso. O objetivo era descobrir quem lá vive e como vive - sem artifícios ou manobras de diversão para turista ver. O percurso abrangente fazia com que estivéssemos convictos de que conseguiríamos ter uma noção tão fiel quanto possível, do melhor e pior de Marrocos.
Desembarcamos... Estava tudo muito calmo e nem sequer nos apercebemos da existência dos famosos "guias" que tentam conseguir o nosso passaporte para nos tratarem da autorização de entrada, em troca, claro, de uns euros. Aliás, alertados para isto, já levávamos preenchidos todos os documentos necessários à entrada em Marrocos, quer pessoais quer relativos à mota: documento único da viatura, extensão territorial da carta verde (que deverá ser solicitada com antecedência junto da seguradora e que no nosso caso já estava incluída de base), carta de condução e, caso não seja o seu proprietário, autorização do mesmo para sua utilização.
Para este controlo levávamos previamente preenchida, a Déclaration d’Admission Temporaire de Moyens de Transport D16ter, ficha que substitui o documento verde de entrada temporária de veículos. O preenchimento da declaração, obrigatório para todos os que pretendem a entrada em Marrocos (novos ou repetentes), poderá ser realizado a partir do site da Administração de Alfândegas e Impostos Indirectos de Marrocos devendo proceder-se à sua impressão (documento em triplicado necessário para entrega à Polícia Alfandegaria). O documento verde disponível na fronteira deverá ser preenchido se não imprimir a declaração por via informática ainda fora de Marrocos.
O policia marroquino, com ar de poucos amigos e de poucas falas pediu-nos a documentação e sem mais ausentou-se deixando-nos à espera... sem perceber muito bem o motivo da demora lá aguardamos que nos fossem devolvidos os documentos e carimbada a admissão da mota. Íamos conscientes que a atitude a adoptar durante o processo de entrada tinha que ser pautada pelo bom senso, por uma boa dose de tolerância e paciência quanto baste.
Ultrapassadas as formalidade legais, algumas centenas de metros mais adiante demo-nos por "bem-vindos" a Marrocos! Estávamos em Tânger...
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Do porto onde desembarcámos, seguimos para a cidade, sobre asfalto em obras, começando-se já a notar a diferença na confusão do transito.
Segundo o GPS não estávamos longe do hotel escolhido: Hotel "El Oumnia Puerto". Primeiro ao longo da costa e daí mais para o coração da cidade, com um ou outro engano, lá chegamos ao nosso destino, especialmente escolhido por ficar relativamente perto da Medina o que nos permitiria explorar-la a pé.
Tânger em termos de beleza, não tem muita... é uma cidade com arquitetura europeia mas mais suja e desorganizada. O único ponto de interesse é mesmo a sua Medina, que foi a nossa primeira aproximação ao universo marroquino.
Deslocamo-nos até lá voltando a percorrer a avenida junto ao mar pelo meio dos trabalhadores que cimentavam o passeio marítimo. Não é difícil de encontrar... Ao longe são logo visíveis na encosta as suas casas em cascata, caiadas de branco e a muralha que as envolve.
Lá dentro, a Medina é composta de vielas estreias e de mercados coloridos e movimentados. É o centro nevrálgico onde tudo acontece, a parte mais antiga e vivida da cidade. O comércio é intenso, e há todo o tipo de negócios na rua, telemóveis usados, partidos, todo o tipo de roupa e calçado em segunda mão, cigarros "avulso" banca sim, banca sim... e mesquitas, a grande novidade para nós, fruto da religião islâmica do país e que apesar de serem inacessíveis a não muçulmanos impressionam no seu exterior pelos detalhes dos baixos relevos e beleza dos azulejos, com motivos geométricos, que as emolduram.
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Deambulamos pelas suas ruas sujas e sinuosas tirando fotografias ainda a medo e aventuramo-nos pelo seu mercado onde os balcões de venda de especiarias, café e frutas ajudam a perfumar o ar que se mescla com o odor de carne e legumes podres, que sobram das vendas...
E quase sem darmos conta passamos por todos os pontos de interesse indicados no nosso guia turístico e estávamos precisamente a sair para a praça 9 de Abril também conhecida por "Grand Socco".
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Foi nesta praça, junto á mesquita Sidi Bou Abib que tomamos pela primeira vez contacto com o dinheiro marroquino: o dirham... Sem quaisquer dificuldades procedemos ao levantamento num terminal multibanco da importância máxima permitida, 2000 dirhams (cerca de 200 euros) para minimizar os custos das taxas aplicáveis por operação.
A próxima paragem era o "kasbah", situado fora das muralhas, no ponto mais alto da cidade em busca de uma vista panorâmica.
A subida fez-nos crescer a sede e como até já tínhamos dinheiro decidimos entrar numa espécie de mini-mercado para comprar umas bebidas frescas... Demasiado baratas para as notas "grandes" que tínhamos mas lá nos deram o troco e nos inundaram de notas e moedas... E de facto começamos a constatar que o custo de vida por aquelas bandas em nada se podia comparar ao europeu.
Chegados ao topo não estava a ser fácil encontrar "o tal spot" que nos permitiria a almejada vista sobre a cidade até que, já íamos novamente a descer, reparamos num anuncio de um terraço panorâmico de um café/bar. Resolvemos subir...
Em boa hora o fizemos pois era mesmo aquilo que procurávamos!
Tínhamos a Medina aos nossos pés e uma visão 360 graus sobre toda a cidade e sobre o Mediterrâneo mesmo ali ao lado até à costa espanhola.
Era o melhor local de Tanger para fazer uma pausa e experimentar o tão famoso chá marroquino de menta ou "erva buena"! Extremamente doce e sempre a "escaldar" esta bebida típica acompanhou-nos toda a viagem.
A forma como nos é servido é também muito peculiar... a tradição é de levantar bem alto o bule característico, feito em latão ou banho de prata, e acertar no copo de vidro...
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E logo após apenas umas horas em que por ali andávamos deu para perceber que apesar de estamos tão perto da Europa tudo era bem diferente... Sobretudo a sua "gente": os homens são esguios, têm cara seca e ossuda. Os olhos escavados dão expressão à face vivida pelo sol e pelo tempo. Uns trajam túnicas até aos pés e ostentam longas barbas, outros nem tanto, mas continuam a ser "diferentes". Em relação às mulheres, poucos detalhes do corpo estão a vista, porque a exposição física é quase nula. O lenço na cabeça esconde os cabelos e as vestes cobrem-nas do pescoço aos pés.
Eles são, no fundo, o melhor postal da cidade, do pais... a génese de todos os locais por onde iríamos passar.
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