Foi no mesmo dia 13 de junho que realizamos esta etapa que no entanto decidi autonomizar quer pelo facto de termos conhecido outra cidade “Essaouira” situada a cerca de 200 quilómetros de Marraquexe quer porque desta vez o percurso ter sido feito a bordo de um outro meio de transporte que muitas histórias deixou para contar…
Em busca de mais algum conforto proporcionado por quatro rodas e um ar condicionado, decidimos deixar a mota descansar e alugar um carro para esta viagem… Chegando perto dum estabelecimento numa das ruas principais que anunciava nos seus reclames “rent a car” fomos recebidos por um senhor que nos levou a um outro local para mostrar o carro... estranhamos desde logo mas lá o acompanhamos pela ruas mais interiores. Lá, apresenta-nos (não variando) um Dacia Sandero quase novo, que nos agradou… Acerta-se preço e tal mas quando vamos sair diz ele: “ Ah! peço desculpa mas afinal este carro não tem o imposto pago… Vão ter de levar este aqui!”… Outro Dacia, agora um “Logan”! De facto era um upgrade só que, instantes depois de novo a mesmo conversa: afinal aquele também não podia ser pois o “patrão” tinha-o trazido de casa e esqueceu dos documentos… "No problema " dizia ele, arranjar-se-ía outra solução. E com isto dirigiu-se a uma garagem, tipo oficina, onde um outro Logan que estava estacionado de frente para a parede e completamente inacessível por estar tapado o seu acesso por um carro sem rodas… Não dava para o tirar de lá! Com a paciência já a esgotar começamos a dizer que era melhor esquecer tudo e que já só queríamos era o dinhero de volta… Vendo o seu negócio em perigo o patrão resolveu meter-se e entrando para dentro do carro e começou a manobra-lo para o tirar de lá: duas batidas na parede e trinta e sete manobras e não conseguiu que se mexe-se um milímetro! A solução encontrada foi então chamar meia dúzia de empregados que á mão levantaram a traseira do carro e o direcionaram de forma ao carro conseguir sair.
Este carro não tinha nada a ver com os anteriores… 133.000 quilómetros que mais pareciam 250.000, nojento por dentro e no casco, obviamente! E para piorar a situação mal saiu do local acendeu a luz de avaria do motor e começou a soluçar. Há que voltar para trás e reclamar o problema. Desfeito em desculpas, o patrão chama o mecânico para ver o carro… abre o capot e dá três ou quatro aceleradelas a fundo com o mecânico de mãos enfiadas no motor, desliga duas fichas, vê o óleo e volta a fechar o capot dizendo “Now it is ok!”. No entanto, eram agora visíveis não uma mas duas avarias no painel frontal. Alertado para este facto e com a cara mais descansada do mundo voltou a dizer “Don´t worry! Mechanic say it is ok, so it´s OK!”. Saturados da situação nem quisemos mais saber…a verdade é que andou quase 400kms, nunca parou e até já nos estávamos a habituar ao seu constante soluçar e a só ter Cruise Control quando uma das avarias apagava do quadrante…
Atestado o carro e finalmente a caminho, percorríamos descontraidamente no conforto dum ambiente climatizado e ao som da rádio marroquina a movimentada estrada nacional quando fomos parados por um controlo policial…tantos quilómetros até ali percorridos de mota e tínhamos que ser apanhados de carro em excesso de velocidade! Confrontados com a fotografia do radar portátil que acusava 71 km/h numa zona de 60 km/h... nada mais havia a fazer senão pagar a multa. Só que a verdade é que com o aluguer do carro e o deposito que tínhamos enchido de gasolina restavam-nos pouco mais que 100 dirahms! Ou seja, não tínhamos como pagar os 300 dirahms que nos estavam a exigir de multa e para piorar a situação verificamos que com as várias peripécias que tinha envolvido o aluguer do carro nem na posse dos nossos passaportes estávamos…tememos o pior! Felizmente a policia estava muito pouco preocupada com a ausência dos nossos documentos estando apenas interessada em receber o dinheiro…diziam eles: então andam assim sem dinheiro?!?! e lá lhe explicamos que tínhamos gasto os dirahms com o aluguer e com a gasolina e planeávamos fazer um levantamento multibanco quando chegássemos a Essaouira. Em face desta resposta fizeram outra proposta: podem pagar os restantes 200 dirahms que lhes faltam em euros…dão-nos 20 euros e fica o assunto resolvido! E lá tivemos que lhes voltar a explicar que não estávamos na posse de mais dinheiro nenhum, nem dirahms, nem euros. A única possibilidade era deslocar-nos ao multibanco mais próximo e fazer um levantamento. Foi nítido que isto não lhes agradava, provavelmente não existiam naquela zona, e contrariados informaram-nos que para tal teriam que ficar com a carta de condução… Apesar de não estarmos em condições de “regatear” aquela situação dissemos logo que essa solução estava fora de questão…primeiro porque não íamos deixar assim o documento correndo o risco de quando regressássemos eles já não mais estarem por ali e depois porque se assim o fizéssemos passávamos a conduzir sem documentos incorrendo noutra violação do código da estrada ainda mais grave do que aquela de excesso de velocidade. Após ter que ir contando o nosso infortúnio aos vários escalões da hierarquia policial por ali presentes acabamos por ser “desculpados” pelo big boss que nos mandou seguir viagem apenas com a advertência de não mais infringirmos as regras! A sorte tinha estado do nosso lado…mas não mais facilitamos! Se as placas indicavam como limite 10 km/h era a 9 km/h que seguíamos...
Chegámos a Essaouira com vontade de vingar todas aquelas contrariedades com a merecida recompensa do litoral… o ar fresco da praia fazia-nos esquecer o calor insuportável que já tínhamos tido que tolerar longe da costa. A sua praia extensa e ventosa fazia-nos pela primeira vez em território marroquino arrepios de frio e por isso nem tivemos a tentação nos dos aventurarmos pela areia, leve e fina, que levantava voo à mais pequena brisa e procuramos no seu centro nevrálgico, dentro das portas da sua Medina, um local para um almoço tardio…
Na companhia de alguns gatos vadios em busca de uns restos que caíssem “inadvertidamente” dos nossos pratos, numa esplanada à sombra saboreamos um peixe fresco grelhado envolvidos num silêncio acolhedor que surte tranquilidade nos transeuntes que por lá andam. Depois ainda passeamos relaxadamente pela sua malha urbana, caiada de branco, onde abundam lojas de tapetes e artigos de pele que cobrem as paredes dos edifícios de um lado ao outro das vielas e finalmente pelo seu porto, recheado de pequenos barcos azuis de pesca e cujas muralhas e fortaleza foram cenário de várias cenas da famosa serie de televisão “Game of Thrones”…um local lindo enriquecido pelas gaivotas planando ao vento enquanto o sol calmamente descia para se por no mar…
Após desfrutarmos daquela pausa no calor dos últimos dias, partimos de novo para Marraquexe com o cheiro a mar entranhado na pele. Em breve para lá voltaríamos a rumar, agora mais a sul…destino: Agadir.
No regresso pudemos presenciar mais uns quantos “quadros” do quotidiano marroquino. Junto às bermas havia muitas bancas improvisadas nas carrinhas de caixa aberta que ocupavam a via, fazendo-nos abrandar, onde os melões amarelos se destacavam entre os outros frutos e legumes, pedindo aqui e ali mais uma fotografia…
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